Valerá a pena continuar a insistir na Praxe?
Definitivamente, SIM!
A Praxe Académica é um legado histórico e cultural que nos compete defender e transmitir aos outros. É parte enraizada na cultura popular portuguesa que vive do Ensino Superior e dos seus estudantes.
Ter uma instituição desprovida da Praxe é ter alunos que não se orgulham da instituição que frequentam nem da cidade que a alberga.
Sem serem submetidos à Praxe, a maioria dos estudantes tende arrogantemente a considerar-se parte de uma elite. Muitos tornam-se indivíduos que usualmente recusam as suas humildes origens familiares e das quais se envergonham. Isto parece impensável, mas frequentemente vários «pobres de espírito» tentam mesmo esconder a simplicidade dos seus pais.
Trata-se de um complexo fenómeno social, pois encontramo-nos cada vez mais numa sociedade materialista onde as pessoas são avaliadas pelo que possuem e não pelo que realmente são.
É cada vez mais frequente ouvirmos coisas do género: “Não sabes quem é o Ferreira? É aquele que até tem um jipe descapotável e um apartamento na Boavista...”.
Quantos de nós não suportamos este ambiente postiço, onde as pessoas querem parecer em vez de ser ?
Pois a Praxe Académica é uma boa solução para estes casos de «narizinhos empinados» e «peneiras» desmesuradas, pois representa valores como a humildade e a igualdade.
De Traje Académico somos todos iguais. Não há ricos nem pobres e todos podem ocupar qualquer posto, o que torna a Praxe num regime extremamente democrático, apesar do seu estilo frequentemente militarizado.
Uma falha que é constante é a falta de informação.
Começando pelos caloiros, a primeira coisa a fazer-lhes no acto de recepção deve ser explicar-lhes o que é a Praxe Académica, perguntar-lhes se a querem aceitar ou recusar e explicar-lhes as consequências da opção tomada.
Infelizmente, o que habitualmente acontece é primeiro colocar os recém-chegados «de quatro» e só passados alguns dias é que alguém se lembra de lhes explicar alguma coisa.
Os caloiros devem ser informados dos seus direitos e os doutores da praxe têm obrigação de saber estar na praxe se a querem exercer.
Devo lembrar que só adere à Praxe quem quer, mas para o fazer deve respeitar as regras tradicionalmente estipuladas.
Como é que um caloiro pode vir a ser um bom doutor se não for devidamente ensinado? Se a Praxe for deturpada, então ela vai ser transmitida num sentido tosco e distorcido, provavelmente sob a forma de vingança do tipo “deram-me cabo do juízo quando era eu caloiro, agora chegou a minha vez de fazer-vos o mesmo...”.
A Praxe deve ser sinónimo de camaradagem, amizade, solidariedade e espírito de entreajuda e nunca servir de propósito a actos de violência gratuita.
O estatuto do estudante perante a população da cidade também tem entrado na decadência. As pessoas estão fartas dos arrogantes exageros, nomeadamente da «chaga» estudante pedinte e do estudante bêbado e desordeiro.
Hoje, o aluno universitário é visto por muitos como um parasita que só quer saber de copos e noitadas.
A principal responsável por esta imagem negativa que os estudantes de Capa e Batina têm actualmente face à população da cidade é, a meu ver, a Queima das Fitas. Isto é, o comportamento menos digno que a maioria dos estudantes adopta nessa altura.
Nesta festa da euforia total, a Academia esquece-se que nem só estudantes habitam a cidade. Basta pensar nos mais de 20 mil quilos de lixo que o Cortejo de Coimbra provoca num só dia, já para não falar dos prejuízos causados pelos cortes de trânsito.
Algo que penso deveria ser repensado é a trupe. A sua filosofia original já não faz muito sentido nos dias que correm.
Inicialmente, surgiram como uma forma de «convencer» os caloiros a ficar em casa a estudar, para não começarem a reprovar logo no primeiro ano, pois a Praxe deve ser espírito de camaradagem.
Actualmente, penso que quando se apanha um caloiro na rua a partir das nove da noite, ou não se aplica sanção alguma ou então aplica-se-lhe apenas uma sanção simbólica.
Há que compreender as distintas circunstâncias de outrora quando comparadas às de hoje. Se o caloiro não pode sair, então há-de ficar em casa a ver televisão, a jogar computador, ou a fazer outra coisa qualquer. Tudo menos estudar.
Até aos anos 50/60, altura em que foi editado o primeiro código da praxe (1957), quase ninguém usufruía em casa do «lazer» proporcionado pela tecnologia, daí a original função da trupe como patrulha académica.
Além disso, os caloiros de hoje não são tão ingénuos como os de antigamente. Muitos deles trabalham e estudam ao mesmo tempo e não precisam que um grupo de colegas lhes venha com lições de moral, muito menos que lhes venham tentar ensinar o que é a vida. Dizer-lhes que não podem permanecer na via pública após as nove da noite e que estão sujeitos a praxe de trupe a partir dessa hora é obsoleto nos dias de hoje.
E os caloiros que trabalham à noite, como fariam?
Acho bem que se mantenha simbolicamente esta original função das trupes, mas como factor histórico.
Penso que a função fiscalizadora das trupes é muito mais importante e essa sim, deve ser mantida no activo.
Em vez de andarem à caça de caloiros, os elementos das trupes deviam era preocupar-se com os doutores da praxe que andam mal trajados e que não respeitam em nada as Tradições Académicas.
Quantas vezes não se vêem nas mulheres saias que mais parecem a continuação da camisa, maquilhagem, anéis e pulseiras como enfeites e óculos de sol a servirem de bandoletes? E nos homens sapatos trabalhados, relógios e óculos desportivos radicais? E metal espetado na capa também é coisa que não falta...
Se as trupes querem fazer algo de útil pela praxe, preocupem-se em fiscalizar os doutores e não os caloiros. Muitas vezes a ignorância e desrespeito dos doutores pela Praxe vergonhosamente ultrapassa de longe a dos caloiros.
Há que ter em consideração a evolução dos tempos.
A flexibilidade e mobilidade da Praxe é que lhe têm permitido a sobrevivência até hoje. Mas para que tudo se processe de um modo salutar é necessário que haja conhecimento acerca da matéria.
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